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1.3 CULTURA PERMANENTE NAS INTERFACES

Inúmeros são os referenciais possíveis para processos práticos na criação de ambientes capazes de ampliar a adaptação de pessoas e organizações às dinâmicas globais.

A quantidade infindável de atuações possíveis a cada nova perspectiva analisada pode criar novos critérios de conexão e organização das ideias (JHONSON, 2011) em novos processos de realização da sustentabilidade glocal.

O processo é iterativo e pressupõe abundância. Ao longo do tempo o lugar de tudo muda constantemente como parte de uma dança de impermanências, como podemos ter entendido de Lama Rinchen Khyenrab, monge budista plenamente ordenado por S.E. Chogye Trichen Rinpoche e super conhecedor de saberes tecnológicos e suas interfaces com culturas milenares. [7]

O ciclo de nossas próprias vidas – nascimento, crescimento e a morte eventual faz parte da “roda da vida” de todos os seres deste universo. É importante familiarizar-se internamente para o conhecimento e sabedoria das ações construtivas e positivas no mundo (SAMTEN, 2010).

As galáxias, as estrelas, as plantas, as pedras, as águas e nuvens, assim como nossos pensamentos, produtos, resíduos e o tempo, tudo segue este ciclo de vida e morte.

Há outras complexas e intrincadas redes de conexões na qual todos os seres humanos estão imersos, naquilo que Clifford Geertz compreendia como Cultura: “O homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu” (GEERTZ, 1978).

Dele também aspiramos a criação através de descrições densas na interpretação de culturas. A realidade sentida daqueles que se envolvem de forma interdependente, uma vez que compartilham este ciclo entre tantos outros (JHONSON, 2011).

Quando agimos numa parte desta rede raramente percebemos as repercussões mais distantes. Geralmente enxergamos muito pouco desta teia entrelaçada; vivemos focados muito próximos a pequenas partes de nós mesmos, uma de cada vez (WEBB, 2009).

Na busca de culturas de vida permanentes no planeta é importante o desenvolvimento de uma percepção curiosa e respeitosa das complexidades de cada um para começar a compartilhar de formas conscientes este processo de sermos aglomerados, comuns, de ser comunidade.

Com pensamentos, palavras e ações compatíveis, podemos influenciar positivamente nosso ambiente e nosso mundo.

Para mim é um processo de evolução do planeta, o ser humano, cada ser humano tem dons de criatividade que dependem das condições para elas poderem desenvolver essa capacidade de começar a ter autoestima para aquilo que conseguem fazer ou trazer para Terra (WEBB, 2016 apud SMARIERI, 2018, p. 170).

A Permacultura foi formalizada na Austrália ao final dos anos 70 pelos pesquisadores Bill Mollison e David Holmgreen. Este trabalho inicial hoje pode ser entendido como uma forma de design criativo [8], vem originalmente do inglês Permaculture, tem como princípio a observação das estratégias da natureza na execução das atividades no mundo.

Ela desenvolve-se como um sistema de design capaz de suportar vidas de forma permanente, racionalizando a organização de ambientes como sítios e fazendas ou até mesmo de cidades, biorregiões e ambientes virtuais. Busca levar em consideração os aspectos típicos, desejáveis ou naturais de cada função, por elemento, variando com o tempo.

Aproximando do dia a dia, garantido o acesso às necessidades básicas como moradia, água, leis e justiça, jardins úteis, animais livres, lazer e ócio, área de produção, aprendizagens, reserva florestal, tecnologias, entre outros itens, podemos planejar tudo com harmonia, eficiência técnica e integração ecológica (JACINTHO, 2007).

Como resultado de intensas e ricas interações permaculturais por todo o globo, uma tríade é repetida incansavelmente em encontros, atividades e comunidades permaculturais, estabelecendo uma base entorno de três princípios éticos: Cuidar da Terra, Cuidar das Pessoas e Compartilhar justamente os excedentes.

Isso pode significar que, na Permacultura, exercita-se os princípios que orientam a interdependência das interfaces de nossas interações com a natureza.

Pode também orientar as questões de créditos e financiamentos em obras hídricas e de saneamento urbano ou rural, propor uma nova organização socioeconômica, proporcionar a educação no campo ou em locais ermos, assistência técnica em ruralidades, somar esforços em prol da reforma agrária e fortalecer aspectos sociais, da saúde aos legislativos (JACINTHO, 2007).

A impermanência da vida, em vez de ser vista como um empecilho é vista e trabalhada como geradora de fertilidade, suprimento de necessidades e maior biodiversidade.

Com práticas baseadas em olhares sistêmicos, treinados pelas observações das dinâmicas da natureza a exemplo do biomimetismo (ou biomimicry em inglês), pode-se criar novas similaridades e surpreendentes conexões entre os diversos elementos de nossa realidade

Exemplar é a profusão dos diversos trabalhos do Biomimicry Institute integrando detalhes da natureza na educação e empreendedorismo criador de novas tecnologias [9]. Suas atividades virtuais engajadoras estimulam processos em todo planeta na busca de soluções tecnológicas, inspiradas em métodos sociotecnológicos de observação da natureza.

A Permacultura organiza esses elementos descobertos (e levados ao extremo pelo biomimetismo) a partir da observação minuciosa do local antes da intervenção, no planejamento. Focando mais nos pontos de conexões entre as zonas do que na otimização da produção de monoculturas ou agroflorestas com finalidades de lucro. [10]

A disposição dos elementos torna-se elementar, planejando quanto ao uso, importância e impacto no ambiente. É uma forma simples e efetiva de orientar a vida de propriedades e também ambientes urbanos, ou periféricos como os exercícios que se espalham por São Paulo chamados Permaperifa.

O sucesso das atividades da Permaperifa é grande e inspirou a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD) a incluir este tipo de atividade como um dos eixos do Plano Safra 2017/2020 para o Estado de São Paulo. [11]

Em geral é caminho de paz nas situações onde é possível decidir, ou está posto um conflito permissivo, sobre a liberdade do uso e ocupação de um espaço oprimido por forças históricas.

Assim como parece ser útil em situações extremas adversas e complexas, onde pessoas comuns orientam a vida pela sobrevivência com medo de possíveis guerras, ataque nuclear, desastres de ampla abrangência ou viroses globais. Em outras palavras é preciso “estar preparado para tempos incertos”, segundo o lema da comunidade online Final Prepper.

O movimento Prepper é formado de pessoas ou grupos que se preparam para uma grande catástrofe, tema aglutinador no Youtube e outras mídias.

Figura 4 – Planejamento por zonas inspirado na Permacultura

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Fonte: website Final Prepper (2018)


Estes grupos também utilizam [12] o planejamento do ambiente por zonas conforme vemos na figura 4, mas ao contrário dos princípios permaculturais, eles comumente valem-se do cada um por si, competitivo, em um cenário que ambicionam com devoção.

A forma de organização acontece em rede não centralizada onde a tarefa, constante, é ocupar zonas (sociotecnológicas e ambientais) seguras no planeta. Esta tarefa é comum e nos acompanha desde os primórdios onde já foi apropriada no mundo, e na História, por diferentes nomes, caminhos e também em distintas ciências.

Aqui o planejamento por zonas escusa-se de encontrar profundas referências no assunto. Sabendo de áreas que vão da geometria e arquitetura à normas técnicas no desenho e gestão de políticas públicas, muito já publicaram sobre o assunto.

Sempre estabelecendo zonas integradas para distintos usos e funções na razão da sobrevivência das espécies.

Seja com visas ao suposto controle durante a catástrofe, seja na integração da localidade aos sistemas vivos do planeta, em quase todos os caminhos é possível trabalhar com aquilo que temos, a serviço do ecossistema ao qual estamos inseridos, pela manutenção de nossa existência. É mais uma, e profunda, escolha.

 

[7] Treinamento da Compaixão, palestra de Lama Rinchen publicada em 23/11/2017 e visualizada em 12/10/2018, link disponível no site do Mosteiro Sakya Brasil em https://www.sakyabrasil.org/videos

[8] Veja o website do cocriador da Permacultura https://permacultureprinciples.com

[9] A plataforma do instituto oferece um grande portal sobre as novidades no tema, incluindo ferramentas e oportunidades em cursos livre e certificados. Link disponível em 12/12/2018 em https://biomimicry.org/

[10] Resultado de um diálogo caloroso com Gabriel Menezes, do Sítio Luz na Terra – PR, durante anos em uma busca da separação entre a Permacultura e a Agrofloresta.

[11] Conforme podemos ler em notícia publicada no site do Ministério do Desenvolvimento Agrário, disponível em http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/rede-de-permacultura-cresce-no-estado-de-s%C3%A3o-paulo , acesso 20 de fevereiro de 2019.

[12] Veja o texto “Planejamento por zonas permaculturais para quando o inverno chegar “ em inglês sobre o assunto, disponível em 24/07/2018 em https://www.finalprepper.com/permaculture-zone-planning-for-when-winter-is-coming/