1.4 A CAPACIDADE ADAPTATIVA E A RESILIÊNCIA
O ser humano constrói sua relação nos ambientes com muito (ou nenhum) esforço da compreensão global do todo ao qual está imerso socialmente, por mais que possa fazer projeções de determinadas mudanças críticas e evitáveis.
Estas produções antrópicas mantêm múltiplas sucessões e trajetórias, a vida social é multidimensional (FRANCO, 2009).
Os processos biodiversos aos quais estamos imersos estão sujeitos a alterações climáticas extremas principalmente em função de perturbações socioambientais ao longo do desenvolvimento da espécie. Intensificando os impactos nos ecossistemas com os recentes e intensos processos globais de industrialização e urbanização, criamos as condições que caracterizam o Antropoceno (ZALASIEWICZ, 2016).
A ação antrópica e seus efeitos preferivelmente tecnológicos devem ser incorporados aos sistemas ecológicos para que a harmonia das interações com a natureza seja efetiva.
Podemos fazer uso de tecnologias aderentes à natureza dos plantios em solos degradados, assim como reconectarmo-nos às tecnologias invisíveis inerentes aos sistemas vivos do planeta. Nossas opções e possibilidades tecnológicas podem ser aderentes por diversas interfaces, sem danos à integralidade do processo.
Os autores Maturana e Varela (2001) nos inspiram o potencial do acoplamento estrutural, a "condição de existência" dos sistemas onde os elementos (os seres vivos) ao relacionarem entre si geram uma série de fenômenos repetitivos e interdependentes.
A integração entre diferentes sistemas também é uma das diretrizes da Lei Federal nº 9.433 de 1997, que no Art. 3º estabelece “a adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País.”
Esta é uma ação governamental com intensões de integração na gestão de um bem comum de domínio público como a água, assim como pode ocorrer com os solos e a biodiversidade. Também com o ar, o fogo, o fitoplâncton, as aves, enfim, tudo que é natural e foi monetizado deveria ser sujeito de direito na lei.
Porém muitas das coisas vivas ainda são consideradas apenas como um fator ecológico, recurso natural do ambiente ao qual estamos imersos, disponível sempre dependendo do grau de intervenção e impacto já causado no ecossistema.
O acoplamento estrutural da sociedade para com a natureza pode ser sempre ampliado. Queremos experimentar e selecionar ótimas opções de distintos métodos, reconhecidamente positivos para avaliar ambientes hídricos e suas correlações com outros fatores da natureza.
O rompimento com as redes de vínculos dos elementos essenciais do planeta, gerados por consequências da urbanização, pode inviabilizar a abundância do fluxo vital do processo terrestre, impossibilitando a continuidade da vida à qual podemos imaginar (AMARAL, 2010).
Em cena está a resiliência, a capacidade das coisas, das pessoas, dos aglomerados de todos os seres vivos, imersos em um contexto de acesso aos recursos naturais incertos e complexos, buscando condições para manifestar a alegria de viver.
Semelhantes redes de monitoramento teoricamente já existem, autônomas ou não, se integradas criam a “cerca de arames farpados invisível”, do inglês Invisible Barbed Wire cunhado pelo jurista Spiros Simitis (1987), separadas em sistemas informacionais, públicos ou privados, onde estão locados todos os dados que temos.
Talvez uma pessoa comum sequer saiba da existência destes dados.
Destarte há, para além da possibilidade de coleta de dados já existentes, aqueles a serem implementados. Assim como inevitável e iterativamente vamos ampliar esforços em pontos de sombra, critérios onde os conjuntos de dados são incompletos.
Até quando haverá pontos de sombra?
Toda e qualquer tentativa em novas perspectivas pode ser útil em inúmeros cenários práticos e técnicos, cenários que necessitam de novas ferramentas e perspectivas inovadoras. A cada projeto uma nova necessidade na interação com o mundo.
As possibilidades ubíquas e pervasivas das redes digitais são impactadas na relevância da geração de novos dados, rotineiros novos pontos de coleta e diferentes formas de obtenção de informação.
Diante do cenário onde todo o ser humano interage no planeta criando nova informação, qual a capacidade adaptativa para que o grupo local seja capaz de executar suas funções estruturais em harmonia com a natureza?
O framework dos ecossistemas resilientes proposto pela Resilience Alliance em 2007 é explicitamente uma “ferramenta para pensar inspirada no equilíbrio ecossistêmico”, organizada e apresentando 4 fases claramente marcantes: (1) Crescimento ou exploração (R), (2) Conservação (K), (3) Colapso ou lançamento (ômega) e (4) Reorganização (alpha).
A capacidade adaptativa refere-se, portanto, à capacidade de um sistema para lidar com perturbações ecológicas e sociais a fim de manter a resiliência (FOLKE et al., 2002; HOLLING et al., 2002; SMIT; WANDEL, 2006).
É uma forma avançada de planejar por zonas, focado intensamente na interação entre os elementos do sistema em busca da resiliência.
Resiliência aqui “refere-se a magnitude da mudança ou perturbação que um sistema pode experimentar sem mudar para um estado alternativo que tem propriedades, materiais estruturais e funcionais diferentes, transformando os pacotes de serviços ecossistêmicos que beneficiam as pessoas” (RESILIENCE ALLIANCE, 2007).
Figura 5 - Resumo das etapas do ciclo adaptativo resiliente
Observando a figura 5 encontramos as fases rápidas de liberação e reorganização e as fases lentas são as de crescimento e acúmulo (YI LI, 2016).
É como na análise dos ecossistemas da Biologia onde para crescer e acumular o processo é lento, mas rápido para colocar tudo a perder e serem obrigatórias e incondicionais as transformações.
Temos a partir deste trabalho a ilustração da figura 6, representando um método em passos cíclicos para uma Avaliação da Capacidade Adaptativa de um sistema urbano resiliente.
Este método de avaliação é realizado através da: (1) Descrição do Sistema, (2) Compreensão da dinâmica do sistema, (3) Verificação das conexões entre as diversas interações entre os índices disponíveis, (4) Análise da governança (quem e como pode haver decisão sobre algum problema/solução) e (5) Proposta de ação sobre a avaliação.
Muito clara a sua finalidade, agir sobre a avaliação. Dado que muitas das avaliações podem ser feitas minuto a minuto, a ação também é constante, é preciso trabalhar muito.
Estes pesquisadores chineses avaliam dados de cidades com milhões de habitantes que em menos de uma década são capazes de reordenar sua ocupação e uso do solo de forma radical, dado seu impacto em recursos hídricos, com base em dados que só a tecnologia é capaz de prover.
Figura 6 - Passos para Avaliação da Capacidade Adaptativa de sistemas resiliente
Fonte: Formulação própria, adaptada de Yi Li (2016)
Assim já sabemos como desenvolver a resiliência em nossas cidades. O que ainda é comum a todos os seres?
Veremos.