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1.5 O ANTROPOCENO UM BEM COMUM

Os princípios do commons ou bem comum, na tradução escolhida, orientam a solidariedade nas interações entre ser humano, sociedade e natureza. “O fundamento do que é comum é a solidariedade” (LINEBAUGH, 2014).

A humanidade vive caminhos múltiplos onde cada ente da espécie tem em comum diversos laços e vínculos no espaço capazes de propiciar solidariedade às relações e interações sociais:

A nossa perspectiva é a das pessoas comuns do planeta: seres humanos com corpos, necessidades, desejos, cuja tradição mais essencial é a cooperação na elaboração e manutenção da vida; e ainda tiveram que fazê-lo em condições de sofrimento e separação uns dos outros, da natureza e do patrimônio coletivo que criamos ao longo de gerações (The Emergency Exit Collective, Bristol, May Day 2008 apud FEDERICI, 2011, tradução nossa).

Os atuais processos globalizados se dão principalmente a partir da década de 50 nas construções de equilíbrio político e econômico dos pós II Grande Guerra, intensificando o porte das ações de âmbito humanitário sobre os fracos pilares de uma democracia global nascitura (HARDT; NEGRI, 2004).

Não talvez sem refletir robusta e merecidamente suas conexões, é a partir também da década de 50 que os geólogos do mundo inauguram o Antropoceno, uma nova Era Geológica onde a humanidade impacta intensivamente a dinâmica geológica da esfera terrestre (CRUTZEN, 2000).

A Era anterior, o Holoceno, foi caracterizada por exemplo com as condições climáticas que permitiram a agricultura e o uso e ocupação do solo de forma estável. Esta Era está agora dando espaço ao Antropoceno, caracterizado por um clima instável e de grandes variações, como a súbita diminuição dos níveis de precipitação global a partir dos anos 1950 (IPCC, 2013), conforme demonstrado na figura 7.

O surgimento de uma nova Era geológica advém da observação do impacto das estruturas sociais nos últimos 3 séculos, principalmente por fatores como duplicação da população mundial em curtos períodos de tempo, excessiva emissão de carbono, a extinção massiva de espécies, grandes movimentos de terras e produção em grande escala de cimento, plásticos e metais (DESOTO, 2017).

A nova era geológica merece em esforços organizacionais além do que existiu entre o público e o privado. Espaço este, se capaz de ser sintetizado, é um bem comum.

 

Figura 7 - Mapas de precipitação de 1901 a 2010 e de 1951 a 2010 (mm ano¹ por década)

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Fonte: IPCC (2014)

 

Diversas são as leituras do comum que produzem a sucessão de eventos sociais interdependentes em todo o planeta, onde ele é permitido ainda hoje como em 1215 quando se estabelecem os primeiros registros de uma Magnae Chartae, tida como a primeira das cartas magnas que regem nossa convivência em sociedades.

A comunidade cibernética Mapping The Commons [13], plataforma desenvolvida a partir da pesquisa de Pablo De Soto na UFRJ, apresenta os resultados e coletas sobre o comum urbano, mapeando os conflitos e engendrando capacidades de convivência e solução de conflitos.

A partir do material e método disponível virtualmente podemos simplificar uma forma de avaliação sobre o bem comum através de 04 itens a serem respondidos: (1) qual o nome do comum, (2) quais os atores envolvidos, (3) os processos e (4) os conflitos existentes (DESOTO, 2017).

Estes itens resumem uma ampla possibilidade de aprofundamento sobre o bem comum em distintas localidades e são criados em exercícios realizados em cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, Atenas, Quito, Istambul e Vitória.

Aprofundando a leitura do material disponível, principalmente na forma de tabelas digitais abertas com softwares livres para edição, podemos coletar uma lista com 37 variáveis passíveis para a discussão em grupos interessados no assunto, como podemos observar no quadro 1.

Estes temas foram encontrados por De Soto e os participantes de discussões sobre o bem comum, em grandes cidades urbanas, buscando encontrar as riquezas destas cidades, as proteções existentes em relação aos avanços totalitários capazes de criar escassez de alternativas ou os diferentes estilos de vida: as perspectivas de futuro para a sociedade nos primórdios do Antropoceno.

A grande pergunta exposta pelo grupo é: o comum existirá até quando?

Dado que estas variáveis são localmente contextualizadas, no quadro 1 temos uma lista adaptada para inspiração de temas em possíveis replicações da metodologia ou novas criações e diálogos.

O bem comum surge como alternativa para análise de direitos e não se restringe às cercas e propriedades territoriais de um passado britânico, ou aos recursos naturais em escassez na abundância, mas à todas as facetas da humanidade que podem ser, e serão, compartilhadas.



Quadro 1 – Lista de itens para diálogos do mapeamento de bens comuns

Item em diálogo Subitens
Duração ou Data de criação  
Escala Bairro
Região
Aberto
Tradicional ou Novo comum?  
Origem Natural
Cultural
Riqueza Benefícios gerados
Outros beneficiários
Número de participantes  
Conexão Geográfica do Recursos  
Criação Processo constituinte
Custo de manutenção  
Tipos de Regras  
Resolução em conflitos  
Produção biopolítica Nível de conflito
Prós e contras
Biopotência  
História do bem comum Micro local
Cidade
Acesso Aberto
Restrito
Recursos / Produção  
Material / Artificial  
Renda  
Benefícios indiretos  
Comunidade/rede Conexão Rede / Rede Local
Identidade
Localização
Multiplicação de singularidades  
Ferramentas sociotécnicas envolvidas  
Gerenciamento formal  
Processos decisórios  
Relações internas de poder  
Conflitos  
Relação entre público e privado Leis

Fonte: Formulação própria, adaptado de De Soto (2017)

 

Há a necessidade de novos imperativos e premissas para a compreensão do Antropoceno também social que vivenciamos hoje. Surgem novos bens comuns e decorrentes reflexões necessárias a cada ciclo social. Cabe assim, às pessoas que interagem entre si das mais diversas formas, avaliarem o que há de comum entre seus bens, usos e costumes.

Novos termos como os temes de Susan Blackmore, a singularidade tecnológica da Singularity University, os impactos de negócios disruptivos e monopolistas como a Amazon, o Uber, a Google e o AirBNB, entre outros, são e serão cada vez mais constantes em um mundo de mídias domesticadas.

Linebaugh é um historiador que nos simplifica ao criar caminhos históricos de compreensão do bem comum em suas publicações datadas em 2014, já citadas. Ele aponta, resumidamente, que a reprodução precede a produção social e a comunização acontece no trabalho com o recurso. É o trabalho em si, social, que torna a coisa um recurso, provendo-lhe valor, tornando-a comum (LINEBAUGH, 2014).

Sem o trabalho a coisa mundo é o que é, não tem intrinsecamente nenhuma característica de ser recurso e está imersa no todo dinâmico e vivo que é o planeta Terra.

Podendo ser reconhecida, como sujeito de seus direitos, como transmitem as populações tradicionais latinas por Pachamama.