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1.6 PACHAMAMA E OS DIREITOS DA NATUREZA

Os primeiros reconhecimentos constitucionais da figura de Pachamama fortalecem o paradigma onde as sociedades praticam o respeito aos Direitos da Natureza em ações cotidianas, de modo normativo na forma constitucional e, portanto, prioritária.

Esmiuçando, é necessário o reconhecimento dos fundamentos legais da natureza e dos ecossistemas nas constituições normativas de cada aglomerado, garantindo neste momento sem ampla consciência o direito da Natureza de existir, persistir, prosperar e regenerar.

O processo mais robusto começou na atualização do ano de 2008 da Constituição do Equador, tratando a Natureza como sujeito de direito. Ela foi referendada apresentando uma crescente visão biocêntrica do mundo, em oposição à tradicional visão antropocêntrica. A seguir nossa tradução do Artigo 71º da referida Constituição exemplifica a perspectiva:

 

Art. 71 - A Natureza ou Pachamama, onde a vida é reproduzida e existe, tem o direito que se respeite integralmente sua existência, mantendo a si mesma e regenerando em seus próprios ciclos vitais, sua estrutura, funções e seus processos evolutivos. Toda e qualquer pessoa, povoado, comunidade ou nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza. Para aplicar e interpretar estes direitos se observam os princípios estabelecidos na Constituição, conforme o caso. O Estado incentivará as pessoas naturais e jurídicas, e aos coletivos, para que protejam a natureza e promovam o respeito a todos os elementos que formam um ecossistema. (EQUADOR, 2008, p. 52)

 

Importante destacar que no ano seguinte (2009) a Bolívia também inclui em sua Constituição abordagens semelhantes, biocêntricas. Na verdade, o Estado boliviano é um dos geradores das primeiras iniciativas acerca da cosmovisão como Política Pública de Estado e atualmente muito ativo na iniciativa das Nações Unidas que visa fortalecer globalmente a cosmovisão biocêntrica.

A iniciativa chama-se Harmony with Nature (HN) [14] e recentemente, no mês de novembro de 2016, inaugurou um acordo entre o governo do Estado Plurinacional da Bolívia e o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (UN-DESA) para contribuir com a criação de um fundo para financiar as suas atividades pelo globo.

Todas as mudanças paradigmáticas estão postas e há indícios que serão avaliadas nas diversas revisões acerca dos direitos que os avanços sociotecnológicos têm imposto às dinâmicas jurisprudenciais do planeta.

A HN conta com um núcleo central de 188 experts de diferentes disciplinas e visões de mundo, além de um incontável número de apoiadores dispersos pelos inúmeros temas aos quais a organização atua.

As comunidades enredadas, global ou localmente no interior dos Estados nacionais, podem decidir se estão aptas para a realização de novos pactos civilizatórios, construí-los, assim como manter-se digital e fisicamente organizados em escalas variáveis.

Há de sobrepor as dificuldades iniciais de admissão de novos paradigmas para a criação de novos modelos mentais coletivos em busca da felicidade. A Internet parece ser a principal ferramenta de associação destes interesses comuns.
É cada dia mais difícil suportar as relações entre os seres com os métodos tecnológicos tradicionais que tornam inapta a incorporação de práticas que substituem o sofrimento das relações de controle via mão de obra pela acessibilidade total à bens comuns e seus dispositivos de acesso.

A clássica representação do ciclo hidrológico, com o exemplo da figura 8, ingenuamente ignora a ação antrópica em suas relações com as águas, separando e dividindo o que para os não humanos pode ser uno. Nada inoportuno se ela não fosse encontrada em inúmeras palestras, livros e trabalhos desenvolvido por milhares de cientistas no planeta, iludindo as premissas do mundo ao qual planejamos intervir.

 

Figura 8 – Representação esquemática do ciclo hidrológico

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Fonte: United States Geological Survey - USGS (2017).

 

Todas as cidades modernas do mundo têm alguma forma de armazenar e interferir no ciclo hidrológico planetário, todas causam impacto negativo em biodiversidade e devem mitigar suas ações.

 

Figura 9 - Representação esquemática dos maiores processos hidroquímicos que ocorrem nas áreas
de recarga do aquífero

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Fonte: Tradução coletiva brasileira de Groundwater de Freeze; Cherry (1979)

 

São fundamentais maiores detalhes sobre os sistemas onde minerais, energia e seres vivos entram em profunda conexão com as águas e suas infiltrações, disponibilizando no solo condições de consumo de O2, ativando a fertilização na zona não saturada (FREEZE; CHERRY, 1979) e recarregando aquíferos.

A figura 9 apresenta o esquema onde as porções de águas que não são consumidas pela vida, ou que não exfiltram, sob determinada curva de capacidade de infiltração do solo (FREEZE ; CHERRY, 1979) podem atingir a zona saturada, preenchendo o nível freático e a partir daí denominamos as águas subterrâneas em processo de armazenamento (IRITANI; EZAKI, 2008).

Ou podemos compreender que os parágrafos descritos acima resumem-se em medicina que cura a todos no planeta, isso pode variar quanto ao nível de compreensão e respeito com o intangível da vida.

Há possibilidades de construção de soluções localizadas, salvo condutas ultrajantes aos direitos, de relacionamentos estruturantes peculiares e simbióticos entre a natureza, as tecnologias e as pessoas.

Há muitas atividades e interferências nos ciclos da natureza para serem analisadas, avaliadas e questionadas quanto a sua resiliência e potencial de resolução de conflitos, garantindo assim a possibilidade de momentos autogestionados na consolidação de tribunas plenas para a constituição de garantia dos direitos da existência de todos os seres, viventes ou não viventes.

 

[14] Disponível em: http://www.harmonywithnatureun.org/ acesso em 01 de dezembro de 2018.